A. D'AZEVEDO CASTELLO-BRANCO Amigo! Contente com a alma sublimemente burgueza, que tu me conheces, vejo com pasmo, do limiar da minha porta, desfilar a soberba cohorte dos predestinados, que vão quebrando lanças em prol do bello, do ideal, do justo, por elles espremidos em guindadas theorias, capazes de reduzirem as cabeças mais bem construidas e duras á triste condição de um fructo podre de maduro. Vejo-os, e não com indifferença, porque sou curioso e adoro tudo o que me dá assumpto para o mexerico. Ora bem; o mexerico: ahi tens a razão principal da minha carta; ahi tens a razão porque descruzo as mãos de sobre o abdomen para tomar a penna do escriptor. E que escriptor! Além d'isso acrescia em mim o desejo de te offerecer um delambido manjar, com que podesses, se te aprouvesse, augmentar a abundancia, que se accumula sobre a mesa dos perdularios e lambareiros colleccionadores.{4} É tal porem a nossa terra, tal a natureza das relações, que apertam seus habitantes, que nem sempre ha permissão de se abrir á luz do dia um pensamento franco, por inoffensivo que seja. Assim dou razão do modo arrastado e fadigoso, porque apparece a minha tardia carta. Ha muito que anda, a coitada, no extravio d'esses correios. Veremos se pela nova forma, que hoje lhe dou, logra emfim chegar-te ás mãos. Perdeu ja todas as pretencões a levar-te novidade; pois não é muito que rumoreje em Villa-Real o que, por cá, é objecto das quotidianas palestras