Gineto sorriu. Nunca tivera um amigo assim. Os outros adulavam-no por medo, bem sabia. A não ser o Sagui, todos lhe queriam mal, embora o respeitassem.
Gaitinhas tirou do bolso a gaita de beiços e pôs-se a tocar uma canção em voga, que o companheiro ouviu, embevecido. Não percebia nada de música; mas aquela canção era, decerto, a mais bela do mundo. Sumia-lhe as cicatrizes que o pai do Arturinho lhe deixara no corpo e na alma, e levava-o para braços amigos que jamais conhecera.
É bestial, pá! foi só o que soube dizer, quando Gaitinhas findou.
Pela ladeira do Mirante, a noite ia descendo, devagar. E, devagar, um sentimento bom despontava no peito do Gineto. O silêncio da tarde convidava a confidências. Contaram-nas. Como velhos amigos, descreveram a história das suas vidas curtas, sem história. Gaitinhas confessou a mágoa de ter renunciado à escola, porque a mãe adoecera.
E o teu pai? perguntou Gineto.
O filho de Madalena olhou a névoa que ensombrava o horizonte.
Está muito longe murmurou. E a medo, como se revelasse um crime: Queria que eu fosse doutor.
A voz do Gaitinhas era de lágrimas cristalizadas. E Gineto teve pena que ser doutor não fosse coisa que se roubasse.